06 setembro 2006

Lana Lobell



Não se trata de um trauma de grande monta, desses que nos exigem fortunas para torrar com o psicanalista. Também isto não pretende ser um conto. É mais uma maneira de economizar uma sessão de análise tomando emprestado o tempo do leitor.
Uma das minhas maiores desvantagens na vida foi ter nascido gordinho, falante e sabendo me comportar na presença dos estranhos. Tais atributos me faziam o preferido para acompanhar minha mãe aos lugares mais chatos que se possa imaginar. Um desses lugares era a casa da costureira.
Acho que minha propensão à asma deve-se ao cheiro de pano que sentia já ao dobrar a esquina da casa da costureira. Na sala, então, era uma tortura. Espirrava, sentia faltar a respiração. Mas como um bom menino, agüentava calado.
Não tinha com que me distrair enquanto minha mãe escolhia o modelo ou experimentava o vestido. Dispunha apenas de um monte de revistas velhas, escritas numa língua estranha, cheias de fotografias das coisas mais variadas. Relógios, utensílios de cozinha, aspiradores de pó, coisas inimagináveis se misturavam naquelas páginas amarronzadas. Do meio para o fim, vinham os vestidos, sapatos e bolsas de mulher. Lana Lobell. Era este o nome da revista. Somente mais tarde é que fui saber que aquele era o primeiro catálogo de vendas pelo correio inventado nos Estados Unidos.
Minha mãe passava horas discutindo com a costureira os detalhes do modelo escolhido na revista. Eu era que nunca conseguia reconhecer no corpo pequeno e redondo da minha mãe o vestido usado pela modelo esguia e peituda do catálogo. Claro que nunca disse isso a minha mãe. Como sabem, eu era um menino bonzinho.
Não se impacientem, pois chegou a hora de falar do trauma. Teve uma vez que eu folheava distraído a Lana Lobell quando meu olhar foi atraído pelo gesto desenvolto de minha mãe tirando o vestido. De repente, estava eu lá, com os olhos presos em minha mãe de combinação. Espero que o leitor saiba o que venha a ser uma combinação. Para os mais novos, informo que se trata de uma peça de baixo, para impedir que a transparência do tecido do vestido mostrasse o contorno das formas da freguesa. Há cinqüenta anos atrás, ver a mãe de combinação equivalia a um pecado quase mortal.
É natural, portanto, que me sentisse estremamente perturbado. Baixei imediatamente a vista para as páginas da Lana Lobell aberta frente à minha cara. Mas as páginas mostravam exatamente uma coleção de porta-seios, daqueles pontudos, usados hoje pela Madona. Ou seja, para onde meus olhos se voltassem, teriam que se deparar com a nudez feminina. Uma delas, para meu desespero, era da minha mãe.
A saída foi me refugiar nas palavras impressas daquela língua estranha. E um dos efeitos traumáticos se revela até hoje numa ligeira reação alérgica ao entrar na casa de qualquer costureira. Outro resquício da cena permanece na incapacidade de olhar uma fotografia de mulher nua sem ter antes lido a legenda. Nada tão grave que mereça ocupar o dispendioso espaço de uma seção de análise.

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