19 setembro 2006

O breve e o novo



Texto lido no lançamento de Memória do fogo, em Maceió.

Na sala de espera do Cine Plaza, em frente da minha casa, tinha um cartaz meio escondido numa parede lateral que sempre anunciava um filme com a palavra breve em diagonal, logo abaixo das fotografias. O que me intrigava, era que o filme anunciado nunca passava. Daí eu nunca ter aprendido direito o significado da palavra breve.
Outra coisa da sétima arte que me confundia era que, toda semana-santa, anunciavam A paixão de Cristo em “cópia nova”. Eu ia lá todo animado e só por muito respeito ao crucificado não puxava a maior vaia quando a tal cópia nova se partia pela décima vez, com o prenúncio da voz do narrador que ia ficando arrastada e desmesuradamente grave. Desta forma, minha apreensão do significado de “novo” também ficou prejudicada pela falta de precisão conceitual do gerente do Cine Plaza de Maceió.
Com a palavra breve, aprendi a esperar. Esperar muito. Esperar até o dia em que o velho filme fosse substituído por outro. E aí começar novamente a esperar. A única certeza que a palavra breve me dava era que brevemente eu me acostumaria com a idéia de que breve é um tempo de promessa. E é preciso que tal promessa nunca se cumpra para que a palavra breve possa continuar a existir.
A expressão cópia nova, por sua vez, me ensinou que uma cópia, por mais nova que possa ser, nunca vai deixar de ser uma cópia. Como tudo no mundo é feito de muita repetição e um pouco de acaso, aprendi que devo esperar muito pouco de novidade ao longo dos meus dias. Se quiser algo de novo, que eu mesmo tente cria-lo a partir da monotonia das horas que desfio.
Como a grande maioria dos lugares da minha infância, o velho Cine Plaza não existe mais. Não mereceu nem a mínima glória de se transformar em supermercado ou templo neo-pentecostal. Sua entrada principal foi simplesmente tapada com tijolos. Quem fez isto não desconfia que transformou em túmulo uma fonte de sabedoria.


Hoje, mais uma vez a vida me coloca frente à dialética do breve e do novo. Saí de Maceió há quase 50 anos. Não fui porque quis. Foi meu pai quem me levou para o Recife. Fui com a ilusão de que voltaria em breve. Não sabia que estava sendo vítima do breve dos cartazes de cinema. Mas se não me trouxe definitivamente de volta, a vida me fez vir aqui muitas vezes para ver minhas tias, meus primos e primas, meus amigos. Me fez demorar um pouco em 1968, cursando o NPOR no velho 20 BC. Cada vez, a brevidade do reencontro, o sentimento de estar sempre de visita me fizeram sentir um pouco estrangeiro em minha cidade de nascença. Hoje, eu sei eu não volto mais. Por isso aprendi a construir um tempo extenso a partir da brevidade de cada visita.
Cada vinda me dava a impressão de perda da cidade da minha infância. Sempre foi grande a decepção ao ver que desaparecera um ponto de referência que testemunhasse da minha passagem pelas ruas, praças e praias de Maceió. Com o passar do tempo, criei a fantasia de que esta cidade já não me pertencia. Com se, ao destruir os monumentos da minha passagem por aqui, ela me obrigasse a construir uma nova história a partir dos traços dos momentos vividos que ainda permanecem indeléveis em algum lugar da memória. Com isto, alimentei a ilusão que construía uma criatura nova, que pudesse olhar sem saudade a cidade nova que se construía a cada vinda. Hoje, na presença desses rostos amados, compreendo que é impossível a um homem voltar como novidade à sua terra. Numa contradição com a idade com que volto, volto como uma cópia nova do menino que saiu daqui. Um menino antigo, ainda perplexo com as nuanças do breve e do novo que o tempo tentou lhe ensinar nos cartazes dos filmes do velho Cine Plaza.

Maceió, 14 de setembro de 2006

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