15 outubro 2006

Farfalhar



Por um momento, Demerval deixou-se iludir pensando que ouvia um farfalhar de saias. Apurou o ouvido e ficou sabendo que uma carroça deixava arrastar uns galhos de árvore pelo calçamento. Riu da própria tolice. Não mais existe farfalhar de saias.
A última vez que ouviu um farfalhar, estava meio de porre. Era uma noite de sábado. Ele saiu do trabalho para o bar, como todo sábado. Chegou em casa no fim da tarde e caiu na cama. Por isso ainda estava sonolento quando ouviu todo mundo sair apressado, sua mãe resmungando que nem no dia da formatura da irmã ele deixava a bebedeira.
A cabeça ainda não concordava com a necessidade do corpo se levantar. Decidiu ficar mais um pouco na cama. Por isso não sabe até hoje se o que ouviu foi um barulho real ou uma espécie branda de delirium tremens. Sabe apenas que foi um farfalhar. Vinha vindo pelo corredor, meio apressado.
Meu Deus, eles foram embora e me esqueceram no banheiro. Falei que ia só trocar a cor do batom. Era Belmira, a amiga da irmã que tinha vindo do interior para a festa de formatura. Belmira se assustou quando viu Demerval sentado na cama, a cabeça entre as mãos. Mais assustado ficou Demerval vendo Belmira naquele vestido de festa, que não sabe descrever até hoje, mas se lembra muito bem que farfalhava.
Demerval acompanha de olhos fechados o farfalhar da carroça desaparecer de seus ouvidos. E ainda de olhos fechados ouviu se aproximar o barulho áspero das pernas de uma calça jeans raspando uma na outra. Não mais existe farfalhar de saias, conformou-se Demerval. E foi ver o que Belmira tinha feito para o jantar.

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