11 outubro 2006

Fogo às vestes


Ateou fogo às vestes. Primeiro, encharcou o vestido com o que restou da garrafa de rum, esperou que se empapassem as roupas de baixo e tocou fogo. Pronto. Nunca mais aquela mulher vestiria aquelas roupas. Aquelas roupas que ele mesmo tinha dado a ela no dia de ontem. Dia de aniversário de casamento deles dois. Ele pediu, ela foi lá dentro e vestiu. Aí ele quis que ela tirasse o vestido. Queria vê-la somente com as peças íntimas. Fique só com as peças íntimas, pedia. E ela não, que agora não, que ele esperasse, que primeiro tomasse o rum com coca cola que ela tinha preparado com tanto gosto. Ele bebeu quase de um gole e pediu de novo: só as peças íntimas, pelo amor de Deus, só as peças íntimas.
Coisa estranha, essa de peças íntimas. Onde será que ele ouviu isso. Pra mim é só uma calcinha e um sutiã. Peça íntima parece coisa feia. Coisa que padre acha pecado ou a mãe proíbe de usar. Sei lá o que se passa na cabeça desse homem. Vai meu bem. Toma outra dose de rum pra dar mais um clima. Tiro já. Tiro o vestido já-já.
Uma dose, outra e mais outra. As peças íntimas, balbuciou. Só as pe...ças ín...ti...mas. O homem afundou o queixo no peito e começou a roncar.
Alta manhã. O sol na cara do homem. Cadê a mulher? Cadê o vestido? E as peças íntimas, cadê as peças íntimas? Corre para o quarto, ninguém. Estendido em cima da cama, o vestido. Ao lado do vestido, uma calcinha e um sutiã. No bojo esquerdo do sutiã, um bilhete. Fique com seu vestido, com sua calcinha e seu sutiã que eu não sou mulher de aparecer de peças íntimas para homem nenhum. Adeus.
Ele encharcou o vestido com o que restou da garrafa de rum, esperou que se empapassem as roupas de baixo e tocou fogo. E ficou ali, alheio ao mundo, olhando a fumaça no ar se perder.

Nenhum comentário: