28 outubro 2006

Iolanda?


Noite de autógrafo é um sofrimento. O autor, qualquer autor, sabe que fatalmente esquecerá o nome de alguém. E será sempre alguém bem conhecido, às vezes até um parente próximo. Com André não podia ser diferente. Era o seu primeiro romance. Sucesso de crítica e, coisa rara, sucesso de público. Todos os seus amigos estavam ali. Boa parte de seus parentes, muitos vindos de longe, fazia a fila de autógrafos dar voltas pelas gôndolas da livraria. E como não podia deixar de acontecer, as namoradas de André também estavam lá.
Era o que André mais temia. Esquecer o nome de uma de suas namoradas. Podia não lembrar o nome do seu melhor amigo, titubear com o nome do pai, mas nunca se perdoaria esquecer o nome de uma namorada. Para evitar qualquer vexame, tinha sido enfático com a moça do caixa. Nenhum livro podia sair dali sem uma etiqueta gomada com o nome do comprador escrito em letra de forma. Que ninguém se metesse a engraçado. Devolvesse o dinheiro, mas não deixasse ninguém sair dali sem o nome na etiqueta.
A fila andava sem atropelos. Cuidado para não repetir dedicatória de conhecidos comuns, beijinhos, apertos de mão, que bom você por aqui. De repente, André fica inquieto. Dali a dez corpos, um rosto conhecido sorria para ele. Mais do que conhecido, o rosto lhe era íntimo. Aquele sorriso lhe trazia um misto de saudade e esperança. Saudade de algo que não se lembrava muito bem, esperança de que se lembrasse do nome da dona do rosto e do corpo que já avançavam para a sétima posição da fila. André começou a suar. Sua inquietação foi se transformando em angústia à medida que a mulher sem nome se aproximava da mesa. Seu olhar era de confiança e intimidade. Entrava fundo pelos olhos de André que já não sabia o que escrever nos livros que passavam em suas mãos. Um nome, Senhor, dizei-me um único nome e serei salvo.
Mas Deus tem mais o que fazer do que ter pena de escritores. Não são eles seus maiores concorrentes? Criam mundos, inventam seres, determinam o bem e o mal de suas criaturas. Nunca socorreu nenhum deles em suas crises de criação. Muito pelo contrário, divertia-se com as agruras desses demiurgos de meia-tigela que perdiam o prumo de suas invenções. Vire-se meu caro André. Estão me chamando lá pras bandas de Andrômeda. Dito isto, Deus colocou a mulher, seu olhar e seu sorriso frente a frente com André e retirou-se da livraria.
Vendo o caminho livre do seu principal adversário, um certo ser caviloso soprou no ouvido esquerdo de André: vai dar parte de fraco, meu rapaz? Confie no seu taco. Mostre que nem precisa olhar o papelzinho. Assente a caneta na folha de rosto e escreva o primeiro nome que lhe vier à cabeça. Confie em mim. Vai ser o nome dela. Desesperado, André obedeceu. Encarou o olhar, respondeu ao sorriso e atacou: Para Iolanda...
Não pôde ir mais adiante. Sem abandonar o sorriso nem desviar o olhar, a mulher disse: meu nome é Sandra, André. Iolanda é o mesmo nome que você falou depois que trocamos o primeiro beijo. Você jurou pela alma da sua mãe que não sabia quem era Iolanda. E jurou com tanta força que acabei acreditando. Adeus, André. Lembranças a Iolanda. Sandra falou isto com calma e se afastou da mesa, deixando André com o livro abanando na mão esquerda.
Por um momento, André esqueceu-se da fila. Queria ir atrás de Sandra, beijar novamente sua boca e mais uma vez jurar, pela alma de sua mãe, que não conhecia nenhuma Iolanda.

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