29 janeiro 2007

Nós, os castrados




Vou entregar uma a uma, pelo nome. Quem deu a idéia foi Manu, a namorada do meu filho. Glória, minha mulher, aprovou imediatamente. Luana, uma sobrinha que mora com a gente, relutou um pouco, mas aderiu. Ana Lia, minha filha mais nova, analisou o problema do ponto de vista bioético e concluiu que era politicamente correto. Raíja, filha mais velha, em princípio de gravidez, deu de ombros por ter bem mais em que se ocupar. Malke, sobrinha em férias, com dois filhos para cuidar, pecou por omissão, o que, no caso, é a mesma coisa que ser a favor. Foi este bando de Lilith que decretou: a solução é castrar.
Até então, a angústia da castração era para mim uma questão apenas teórica. Mas, como dizem certos pragmáticos, na prática, a teoria é outra. O fantasma da castração inundou minha existência. O mundo tornou-se sombrio e sem perspectiva. Ofegava. Bebia além da conta.
Elas, as malévolas, tomaram todas as providências. Acertaram hora e lugar da mutilação. Montaram uma operação logística da qual, sadicamente, me obrigaram a participar. Servi de motorista, levando e trazendo os indivíduos envolvidos no plano minuciosamente elaborado.
A sensação melancólica que me abate é bastante justificável. Pois enquanto escrevo trancado no escritório, lá fora, no terraço da casa, o pobre Saramago, por mim mesmo batizado, convalesce. Paga com a perda da virilidade a sua recusa obstinada em subordinar aos caprichos humanos a força imperiosa dos seus instintos de cão.
Ninguém na casa agüentava mais dar banho nesse vagabundo quando ele chegava da farra toda manhã, sangrando e fedendo a carniça.

Um comentário:

Anônimo disse...

Será que algum dia, apesar de os animais não serem conscientes , Saramago vai se sentir inútil e se tornar um cão abatido?
Que extremo fizeram ao bicho..
Tomara que eu esteja errada.