15 fevereiro 2007

Queria ser católico



Sempre tive a maior inveja dos católicos. Principalmente dos amigos que foram para o seminário, tiveram uma educação de primeira, depois largaram a batina pelo primeiro rabo de saia que maculou seus beatíficos olhos. Sempre levei desvantagem toda vez que tive de concorrer com essa turma. Eles sabem o que é um pluralia tantum.
Mas minha inveja é mais antiga. Quando nasci, meu pai era acólito de uma Igreja Batista, em Maceió. O que significava que eu e meus irmãos éramos obrigados a ir à escola dominical que começava às nove da manhã. Imagine o que me roia por dentro quando via aquele bando de católico, de missa assistida e roupa de banho, caminhar alegremente para a praia, enquanto eu, de camisa de manga comprida, me arrastava bisonho, sabendo do calor que me esperava nas pequenas salas onde nos ensinavam a amar a Deus e aos americanos.
Pior era no carnaval. Lembro da mescla de ódio e inveja que senti quando, em pleno domingo, um desses cultores de Momo, já de antemão condenado aos infernos, disparou sua pistola contra minha imaculada camisa branca, fazendo uma mancha vermelha bem na altura do meu coração. Sangrava de raiva. Morria de inveja.
Felizmente, quando fomos para o Recife, meu pai fez uma festa ligeiramente profana nos quinze anos de minha irmã. Passaram uns irmãos pela frente da casa e foram dedurar ao pastor. No outro dia, meu pai foi convidado a se retirar do rebanho, como alternativa à vergonha da expulsão.
Uns dois anos depois, minha mãe me batizou numas Santas Missões. Mas aí eu já tinha uns treze anos e o azedume protestante já tinha feito seus estragos. Restaram apenas as lembranças de alguns hinos traduzidos dos spirituals negros e os cultos solenes de natal e ano-novo que eu trocaria muito bem pelas praias de domingo e a pândega dos dias de carnaval que só os católicos podiam ter.

Um comentário:

Only feelings disse...

"o azedume protestante já tinha feito seus estragos." Fui criada numa disputa branca entre minhas duas avós pra saber se me tornaria católica ou crente... Foi bom ter duas vertentes de religião. O Deus que acredito, vem das partes católica, crente e minha.