15 abril 2007

O dia em branco


(Para Ana Lia, a pedido de Luana)

Abrir a porta da rua e dar de cara com o mundo. Apostar no imprevisível. Ganhar o mundo. É assim que se começa um dia em branco.
Os melhores dias são aqueles que se abrem à nossa frente sem nenhuma proposta, nenhum compromisso. O dia em branco nos faz apenas um convite: viva-me. E nos atiramos sem hesitação, porta a fora, mundo a fora, ao sabor do acaso dos encontros.
Flanar, esta é a única lei que o dia em branco nos impõe. Andar à deriva, deixar às próprias pernas a escolha do caminho. Dobrar uma esquina movido por um som, uma cor, um cheiro, uma lufada de ar. Parar por qualquer coisa, ou coisa alguma. Flanar é isto, uma espécie de livre-associação ambulante.
Meus melhores dias em branco aconteceram em minha juventude, no Recife, principalmente quando estava desempregado. Acordava tarde e ganhava o mundo, muitas vezes apenas com o dinheiro da passagem de ida. Já no ônibus, o dia me surpreendia. Havia sempre um detalhe do caminho que se iluminava. Ou uma cena urbana trivial ganhava um novo sentido. Dentro do ônibus mesmo, as pessoas geravam novidades.
Mais do que as paisagens, o que de melhor um dia em branco nos oferece são as pessoas. Elas servem como ponto de ligação entre os lugares. E dentre essas pessoas, os amigos sinalizam portos seguros onde descansar antes de nos jogarmos novamente na corrente do dia.
O dia em branco se nos oferece como uma folha de papel onde podemos escrever um poema ou uma lista de compras. Depende muito do que quisermos fazer dele. Como um navio que se constrói em alto-mar, em plena viagem, sua forma final dependerá da nossa perícia simultânea de navegante e armador. E somente ao seu final, quando nele pusermos nossa assinatura, o dia, já feito, revelará, enfim, o seu sentido. E não esperemos grandes revelações. O que o dia nos diz, ao seu fim, é algo simples: foi bom você ter me vivido.

Um comentário:

Only feelings disse...

Teria algo a ver com a música: Dia branco ? Perfeito. Dia perfeito.
:)