13 maio 2007

Porteiros do inferno



Em 1960, o artista plástico Jackson Ribeiro ganhou uma bolsa do Governo da Paraíba para aprimorar sua arte na Europa. De volta, para pagar sua dívida com o Estado, criou uma escultura em ferro, sólida e imponente, que foi instalada em 1967 num canteiro entre um templo batista e uma faculdade de filosofia. Logo, o escritor Virginius da Gama e Melo batizou a obra de Porteiro do Inferno, por ter, sabe Deus como, encontrado alguma semelhança entre a peça e o tenebroso Cérbero.
Pela mesma época da inauguração do monumento, ocorria o Concílio Vaticano II, em que a Igreja Católica se abria para o mundo contemporâneo, tendo como uma de suas decisões o uso das línguas vernáculas em seus ofícios. Mas aí aconteceu uma coisa curiosa. Todo mundo se lembra que no “Credo dos apóstolos”, o antigo texto em latim descendit ad infernos, era traduzido por nossas mães, quando rezavam o Terço, pela expressão "desceu aos infernos". Seguindo a orientação do Concílio, o inferno do Credo foi substituído por mansão dos mortos. De uma forma ou de outra, o inferno sempre foi um postulado religioso e nem o Filho de Deus teria escapado de conhecê-lo, ainda que numa curta estada de três dias.
Voltando ao nosso Porteiro, depois de trinta anos postado entre a fé e a filosofia, foi retirado para restauração e nunca mais voltou ao seu antigo posto. Dizem que foi pressão da Igreja Batista, que em seu lugar pretendia construir um monumento à Bíblia. Ficou enferrujando num depósito da Prefeitura de João Pessoa até ser transferido para o Espaço Cultural, depois da morte do autor.
Coube à atual gestão da Prefeitura devolver o Porteiro às ruas da Cidade. Tentou colocá-lo em um cruzamento entre os bairros do Cabo Branco e do Altiplano. Veio o pároco local e conseguiu expulsar o Porteiro da sua encruzilhada.
O inferno astral da escultura parecia ter chegado ao fim com a sua instalação num espaço em frente à Universidade Federal da Paraíba. Ali, pensava-se, a cultura e a ciência o protegeriam das investidas da intolerância. Ledo engano. O presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Castelo Branco, bairro onde se localiza a Universidade, fez um abaixo assinado junto à paróquia e igrejas evangélicas da localidade para que a Prefeitura expulse o Porteiro do seu último endereço.
Se esses supostos representantes do povo e de Deus tivessem um pouco de cultura e menos má fé, saberiam dizer aos seus associados e fiéis que Cérbero, o porteiro do inferno da mitologia grega, era encarregado de impedir a fuga dos que já se encontravam lá dentro. Pois ninguém, de posse de seu juízo, desejaria entrar no inferno por livre e espontânea vontade.
É fácil, pois, revelar quem são os verdadeiros porteiros do inferno. São todos os líderes comunitários e religiosos que impedem a qualquer custo que as pessoas fujam das caldeiras da ignorância e da intolerância onde cozinham o caldo negro com que alimentam seus sonhos de poder e vaidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Nau,

Esta do Porteiro do Inferno foi ótima.

Paulo Monte