31 agosto 2008

Matéria prima
























Lá vem o som que não diz o que me quer
e entra em mim cravando garras
num dentro qualquer
de onde fica espinhando
querendo dizer
querendo dizer
e não dizendo
e me fazendo repetir o que não sei.

Lá vem a sombra e sua luz em movimento.
Vem de longe, chega perto e logo foge
me embaraça sem dizer a que me vinha.
Fica presa nos meus olhos
essa luz e sua sombra
sugerindo uma forma que não sei denunciar.

Lá vem o frio e seu calor
que me envolve e acarinha
me toca, me aperta, me alisa, me crespa
me larga, me foge e se aloja
num lugar que não sei como alcançar.

Lá vem cheiro e catinga
com notícias de outro mundo
que me entram pelas ventas
e se entranham nas entranhas
desta carne que deseja se juntar a outra carne
de onde partem os odores, sem jamais a encontrar.

Lá vem esta carne tenra se alojar em minha boca
jorrar essa água morna que desliza nos meus ocos
e se infiltra nos meus ossos construindo meus volumes
definindo meus limites para logo me deixar
no mais profundo abandono
no mais atroz desamparo
na mais cruenta agonia.

Lá vem, lá vem a palavra
que me recria o som perdido nos ouvidos
que desenha meus fantasmas
que me devolve o calor
que me relembra dos cheiros
que me devolve a carne
que me lembra quem eu sou.

Lá vem de novo a palavra
reavivando os enigmas
desalojando fantasmas
me deixando sem dormir.








Ilusração: Manabu Mabe, obtida em http://www.sp-arte.com

Um comentário:

Juliêta Barbosa disse...

No silêncio da minhas palavras existe a reverência ao belo.