28 setembro 2010

Deserto



Passei os primeiros anos da minha vida adulta proibido de votar para presidente, governador e prefeito. Tinha fome de voto. Com a reconstrução democrática, nunca deixei de votar nem uma vez. Nem sempre meus candidatos ganhavam, mas fazia bem à saúde participar da vida política em toda plenitude. Carreatas, passeatas, panfletagens, faixa no portão, muro pintado, adesivos no carro. Por fim, a procissão familiar até a zona eleitoral, as ruas atapetadas com o lixo democrático dos santinhos.
Este ano estou quase proibido de votar. Não encontro a quem confiar meu voto com o mesmo entusiasmo dos outros anos. Não precisam me lembrar que estou envelhecendo. Tenho encontrado muita gente jovem com a mesma preocupação. Estamos saturados de escândalos, conchavos, jogadas sujas para manchar a honra dos adversários, se é que ainda existe alguém de honra imaculada.
O cenário político atual é um vasto deserto ético, onde o vale-tudo é a regra para pilhar o oásis do poder. Aqui e ali, é claro, resistem as exceções que mal servem para confirmar a regra. O respeito pelo direito e pelo bem público desertou das instituições. O empate da votação do Supremo que definiria uma posição sobre a chamada lei da ficha limpa foi a mais recente e cabal prova de que a opinião pública não merece o menor respeito. A pouco mais de uma semana das eleições, e os eleitores ainda se viam ameaçados pela possibilidade de vitória dos bandidos travestidos de representantes do povo.
Grandes são os desertos, cantava Fernando Pessoa. Grande, enorme, gememos nós, é este deserto ético que teremos que atravessar até chegarmos às urnas. É bom não nos deixarmos iludir pelas miragens que costumam nos seduzir no horizonte inalcançável das promessas impossíveis.

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