29 março 2011

A crônica


Acho muito engraçado certos editais de concursos de literatura que exigem crônicas inéditas. Que se guarde um conto, um romance ou mesmo um poema na gaveta para tentar a glória de um primeiro lugar no mais profundo cafundó do judas, tudo bem. Mas guardar uma crônica por mais de um dia é a mais pura perda de tempo. A crônica é feita para ser jogada fora com o jornal em que for impressa. No máximo, alcançará o mérito de embrulhar peixes na feira.

Drummond dizia que suas crônicas eram como croissants servidos no café da manhã. Uma coisa gostosa, mas rapidamente digerida, dando lugar aos alimentos mais sólidos servidos nas páginas de economia, política ou policial.

Cony, por sua vez, concebendo o romancista como um peixe de águas profundas, que porta sua própria luz, compara o cronista com um peixinho de aquário que enfeita a sala.

Ninguém escreve crônicas pensando na eternidade. Escreve-se da mão pra boca, num sentido de urgência que não permite contorcionismos sintáticos ou exibições xaroposas de erudição. Rubem Braga contava que uma leitora vivia reclamando dos erros que encontrava em suas crônicas. Dizia que ele era um escoteiro ao contrário. Todo dia cometia uma má ação contra a língua portuguesa.

Crônica guardada cheira a mofo. Se não for logo dada ao público, seja num blog, no mural da escola ou no café da manhã da família, perde a sua função de portadora de contingências. Ou então não é crônica. Será um arremedo de conto, um pretenso poema em prosa, a catarse de uma dor de corno mal curada.

Mesmo aquilo que nasceu crônica, se não conhecer de imediato a luz, perderá o direito ao título. Será uma lembrança de si mesma, como qualquer uma dessas que são publicadas em livro. Já foram crônicas. Não são mais. São apenas testemunhas dos malogros do cronista todas as vezes em que tentou registrar o efêmero de um momento nessa forma efêmera, fadada ao lixo, ao esquecimento.

2 comentários:

Angela disse...

podiam fazer um concurso de agudas?
mas do modo como você coloca me parece que as crônicas são agudas, daí passam rápido, eclodem e zás, pronto, acabou, tornou-se passado.

Debora Mota disse...

Olá. procurando o poema Fúcsia de Vitória Lima, encontrei o teu blog. Muito bom. Agora te sigo.
Convido-te a ler meus poemas:
http://deboraeletras.blogspot.com/