21 setembro 2011

Ditaduras


Fui ao quiosque da esquina comprar uns envelopes e o proprietário, amigo de longas datas, lamentou o estado das coisas, afirmando que bom era no tempo da ditadura. Mantive a calma e perguntei do que ele se lembrava de bom do tempo da ditadura. Ele me falou que era menino e não se lembrava de nada, mas, outro dia, um freguês, formado em medicina, tinha dito que só os militares poderiam dar um jeito nessa situação. Mais uma vez, perguntei em que o País era melhor do que hoje, no tempo da ditadura. Mais uma vez, ele não soube me responder.


Há poucas semanas, um desses apresentadores que enchem de sangue a telinha na hora do almoço, também apelou pela volta dos bons tempos da ditadura. Na sua visão torpe, era a única forma de acabar com a epidemia de violência que nos atinge a todos, sem exceção.

Lembrei ao meu amigo do quiosque, como lembro agora ao saudoso apresentador, que a primeira coisa que eles iriam perder com a ditadura seria o direito de dizer que sentiam saudade do regime anterior. O quiosqueiro teria seu negócio fechado e o apresentador seria sumariamente demitido. E ambos seriam presos, com grande probabilidade de serem torturados e mortos.

É preciso tentar entender o que representa essa saudade de um tempo que não se viveu. Todos nós trazemos uma saudade primitiva de uma mítica época de ouro. Há sempre um paraíso perdido para o qual desejamos retornar. De fato, todos nós experimentamos uma tal idade de ouro. Ela existiu enquanto vivíamos mergulhados no paraíso uterino, com todas as nossas necessidades satisfeitas, ao som contínuo e protetor do coração materno. De repente, somos expulsos desse paraíso e temos que respirar e comer por conta própria. Somos bombardeados por luzes e sons estranhos e insuportáveis. Caímos no mais extremo desamparo.

A partir daí, todo o nosso esforço vital é voltado para recuperar esse paraíso perdido. E qualquer obstáculo no caminho que escolhemos para chegar a ele é vivido como uma ameaça a ser destruída sumariamente. Aliado a isso, temos uma enorme preguiça em procurar saber quais as verdadeiras causas do nosso mal-estar no mundo. Daí, a solução mais fácil é chamar a polícia, contratar segurança privada, subir os muros de nossas casas, deixar que o medo nos isole cada vez mais dos nossos semelhantes. Estas são as verdadeiras ditaduras. A do medo e a da preguiça do pensamento.

Mais uma vez, abaixo as ditaduras.

2 comentários:

Angela disse...

Independente da imagem arquetípica, há experiências uterinas para as quais nunca se deseja voltar!

Américo Neto disse...

Muito bom! Notei que em seu perfil está Agricultura na sua atividade! está certo? você mudou de ramo? Se lembra de mim? troquei emails com você ha um tempo quando morava em Marília! Tenho recomendado seu livro desde então! O problema é que em meu círculo não há muitos leitores!