30 maio 2012

Vida


Minha neta mais velha, de quatro anos, está doida para aprender a ler. Anda com um livro de astrologia debaixo do braço e diz que é o seu livro de poemas. Abriu o livro e me pediu para ler “Menina de noite”, um poema que fiz quando ela nasceu. Não sabia o poema de cor e disse que ele não estava naquele livro. Então ela me pediu para ler outro poema que estivesse ali. Tentei sair da situação lendo uma palavra de cada linha, tecendo um poema meio absurdo que às vezes fazia algum sentido. A coisa ia caminhando bem até ela me interromper, querendo saber o que significava a última palavra que tinha lido. Uma palavra simples, de apenas quatro letras e que usamos a torto e a direito: vida.

Em minhas muitas décadas de prática didática, nunca tive tanta dificuldade em explicar o significado de uma palavra. Se você duvida, tente traduzir para uma criança de quatro anos o que o dicionário diz sobre este pequeno substantivo: “Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras.”

Depois de várias tentativas infrutíferas, disse, com um certo temor de amedrontá-la, que quem não está vivo, está morto. Foi apenas quando a expressão de minha neta revelou que ela tinha se dado por satisfeita.
É claro que o termo pode significar muitas coisas. Podemos dizer que aquela moça é cheia de vida, reclamar que a vida é dura, que acabou a vida útil da bateria do celular, que a minha vida era um palco iluminado. Mas nada pode nos dar um sentido mais claro da vida do que quando pensamos nela como o período que vai do nascimento até a morte.  No final de tudo, vale apenas o poema que conseguirmos escrever com as palavras ofertadas a cada dia nas linhas tortas da nossa existência.

Um comentário:

Angela disse...

Valeu pela beleza desta última frase!
Que vivam nossos netos que nos obrigam, por seu afeto simples, a reescrever nosso poema!
Lindo Ronaldo!
Entre alguns outros,enho uma neta que acabou de completar cinco. Ontem me surpreendeu no banho, a cantar La Mer, com uma bela e potente voz.
O importante não é o idioma pois ela é bilíngue - o pai é francês- incrível foi a música escolhida e a bela interpretação, plena de vida!