09 junho 2012

Trêmula borboleta

 Trêmula e cambaleante, levantou-se com o prato de quibe de forno seguro pelas duas mãos, o que a impedia de evitar que a manta xadrez arrastasse no chão, por mais que tentasse segurá-la com os ombros levantados até o pescoço.


Já livre do quibe, protegeu-se com o cachecol e petrificou-se com a lufada fria que assaltou a cozinha quando abriu a porta para o pequeno quintal lajeado.


Precisou esperar que a vista se acostumasse ao escuro para notar o corpo estendido sobre o limo das lajotas no ângulo esquerdo do quintal. Seria um homem, se não fossem as grandes asas abertas ensopadas da chuva que caiu durante toda a tarde.


Tremeu e cambaleou até a gaveta da petisqueira de onde tirou uma vela e uma caixa de fósforos. Acendeu a vela e voltou para o quintal. Debruçou-se sobre o corpo alado e a mão trêmula deixou cair um pingo de cera sobre o peito do estranho visitante. Dois olhos cinzentos recém abertos pousaram no pulso iluminado pela vela. Ali estava tatuada uma minúscula borboleta.


Você de novo, meu amor?disse o alado, é a segunda vez que você me acorda com um pingo de cera. E fez menção de segurá-la pelo braço. Mas ela fugiu arrastando a manta pelas lajotas molhadas até trancar-se na cozinha. E ali ficou, trêmula, ouvindo os passos cambaleantes que alcançaram a porta. E mais tremeu quando, depois das pancadas na porta, ouviu uma voz estranha, estrangeira, gritar: Psiché... Psiché...

(Escrito em parceria com Marina e Carolina, em Moema, Cidade de São Paulo).

Um comentário:

Angela disse...

Que beleza!!!!!!!!!!!!
Fazia tempo que eu desejava uma de suas pérolas. obrigada.