11 setembro 2012

O destino dos livros



Era a experiência afetiva que me faltava. Uma sala com umas quarenta crianças, entre sete e dez anos, me fazendo perguntas sobre o meu livro “A menina de noite”, com variantes sobre minha vida pessoal. As perguntas me surpreenderam. A mais vexatória foi sobre quando eu iria escrever os livros para minhas outras netas. Nada mais natural, pois o poema “A menina de noite” foi escrito no mesmo dia em que nasceu minha primeira neta, Gabriela. Teve uma pergunta quase acadêmica: “o Sr. Acha importante usar os livros como atividade lúdica?” Concordei imediatamente e mudei de interlocutor antes que a futura doutora me perguntasse por que. E frente à dificuldade em fazer as contas sobre a minha idade, um mais atrevido sugeriu: “você devia se aposentar”.
Terminada a sabatina que durou pouco mais de uma hora, tive que enfrentar uma fila de autógrafos assinados em folhas arrancadas dos cadernos. Até minha mulher teve seu momento de celebridade, pois também oi solicitada a autografar algumas folhas. No fim, recebi um abraço coletivo e saí de lá chorando.
A experiência em um colégio de classe média no bairro de Boa Viagem, no Recife, me remeteu a outro momento, há cinco anos antes, quando o poema tinha acabado de ser escrito. Foi no Centro Comunitário de Mandacaru, onde eu ajudava Nara Limeira a monitorar um grupo de leitura de crianças e adolescentes. A garotada se apaixonou pelo poema e fez questão que minha filha, a mãe de Gabriela, ficasse junto com elas quando leram o poema num sábado de festa no Projeto Palavra Plantada, que a mesma Nara desenvolvia na Bica.
Minha própria experiência prova que as crianças, pobres, ricas ou remediadas, amam os livros. Decoram poemas, se apaixonam por personagens, escolhem seus escritores de preferência, ensaiam seus primeiros escritos. Que destino, portanto, têm os livros que eles aprenderam a amar?
A resposta é que existe todo um sistema de embrutecimento da sensibilidade destes meninos. Um arranjo entre os interesses das mídias e a omissão do poder público, resultando em uma manada que repete os mesmos refrões dos arremedos de música, os mesmos passos estereotipados das danças, as mesmas palavras de ordem das gangues e das seitas. Mas é bom saber que dentro de alguns deles existe um ou dois livros dormindo, esperando pelo toque de sensibilidade que os traga de novo para a vida. 

2 comentários:

Angela disse...

Que lindeza! Tomara que a vida te dê muitas oportunidades como esta para despertar estas sementes dentro de muitos pequenos.

Anônimo disse...

Ser questionado não é o problema, ainda mais por "cegos que vem". Encontrar o seu sentido na sua resposta é dar sentido à sua vida. Isso é um olhar ético. Semear sementes da leitura, portanto visão, é criar as condições de possibilidade de um olhar ético. Parabéns. Diego Salcedo.