06 dezembro 2013

Menos um


Acordei com um presságio de que alguma coisa má me aguardava no lado da vigília. À medida em que tomava posse dos sentidos, o presságio deu lugar à certeza: uma coisa má havia acontecido. Meu dia começaria com menos um.
Tem sido assim, de uns tempos pra cá. O tecido antes íntegro dos afetos vai a cada dia se esgarçando, criando furos. Menos um, menos um, menos um. “O homem é a soma dos seus mortos”, eu mesmo disse em um poema antigo. Mas, acrescento agora, esta soma se alimenta da diminuição dos nossos vivos.
Esse um de menos de hoje é Jader Nunes dde Oliveira, amigo de muito tempo, desde meus primeiros anos como professor da UFPB. Nas nossas greves no tempo da ditadura, era sua voz segura que nos apontava os caminhos da luta. Corrigia meus textos para os editoriais do boletim de greve e se deleitava com alguns achados que tornavam menos áspera a leitura nas assembleias.
Mais tarde, nos encontramos na tarefa árdua de reconstruir a Universidade a partir dos escombros deixados pela rapina e incúria dos nossos antecessores. Primeiro, como Pró-reitor de administração, depois, em dois mandatos como Reitor, sua obstinação pelo trabalho bem feito, sua intransigência contra a dilapidação do bem público deixaram seu nome na história da Instituição e na mira dos seus inimigos.
Jader morreu sem avisar. No seu gabinete de trabalho. Como qualquer um de nós, cuidava de suas coisas de aposentado com o sentimento justificado do dever cumprido. Amava sua família, cuidava de longe dos amigos. De vez em quando me mandava um e-mail comentando um texto meu.

Vou ficar sem saber o que fazia no momento em que foi fulminado pelo enfarto. Tenho apenas a certeza de que, de hoje em diante, sua falta será acrescida a esta sensação dolorosa de menos um. Até que um dia eu mesmo seja um de menos.

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